Há modas que vieram para ficar e ainda bem. Começo esta crónica (?) desta forma simples porque o seu conteúdo incide pelo que de mais elementar pode haver: a alimentação. Não a alimentação necessária à nossa sobrevivência, mas aquela mais direccionada para a gula, para o prazer de degustar o que nos realmente dá prazer.
Uma das tendências que mais se implementou nos últimos anos foi, sem dúvida alguma, a da cozinha gourmet. A origem da palavra remonta aos ancestrais conhecedores de bons vinhos e iguarias, ainda que actualmente vá mais de encontro à cozinha elaborada e apresentada de forma artística.
Nesta época estival que se inicia haverá algo mais artístico e elaborado que devorar umas gordas sardinhas, acompanhadas de um bom tinto e de um pão macio bem português? Ou haverá algo mais simpático – para os apreciadores, já que não é uma iguaria muito consensual – do que uma caracolada de fim de tarde ao som de umas vivas imperiais? Ou melhor ainda, haverá algo mais retemperador do que uma pausa no lusco-fusco para bebericar as tais imperiais ao compasso de uns frescos tremoços, de preferência temperados com sal e pimenta?
Todo este discurso simples apenas serve para enaltecer esses 3 produtos essenciais da nossa cadeira alimentar, 5 se contarmos com o vinho e a cerveja, de pressão ou engarrafada. Confesso também o meu espanto ao observar os conhecimentos de alguns chefes de cozinha, mas também me espanta a sua inabilidade para assar sardinhas ou cozer caracóis, e saberão temperar tremoços? Alguém os viu executar alguma destas 3 hercúleas tarefas?
Esta moderna e maldita mania das crises financeiras e sociais conduz-nos a todos, ou quase todos, onde, infelizmente, me incluo, a estados de fúria e revolta a tal ponto de olharmos o mundo com um pranto de mágoas a deturpar-nos a realidade e uma sensação de impotência que nos transporta o corpo para necessidades básicas como a enunciada gula. Ora, estou para ver qual é o indivíduo que se satisfaz, perante esta fúria latente, com um brandade de bacalhau com batata baroa e tornedous de cherne que cabe na cova de um dente, ou com um salmão cozido em azeite com sopa de alho-porro que se o ar condicionado estiver muito forte desata a nadar pelos ares? Ou com uns nacos de javali no tacho com migas de couve para os quais é necessário uma lupa para descobrir onde está a carne do saboroso porco selvagem, quando pode devorar 2 kgs de sardinhas e um litro de vinho da casa e dormir uma bela sesta ou limpar umas travessas de caracóis e uma dezena de imperiais e fazer a festa na companhia de malta porreira?..
Claro que há os caranguejos, os búzios, os percebes, as sapateiras e as lagostas, mas como não é bem coisa que se coma diariamente, esta dieta mediterrânica de sardinha, caracol e tremoço manter-me-á vivinho da silva e bem de saúde, pelo menos até prova em contrário…