São muito poucos os realizadores que conseguem um bom resultado quando se embrenham em retratos de estados psicológicos como a frustração permanente, o tédio e a apatia. O motivo do problema é claro: como fazer que resulte falar nestes temas sem causar no espectador os mesmos sentimentos sofridos pela personagem? Esse mérito toca a muito poucos, àqueles a quem realmente se deveria tratar por génios, o que definitivamente não é o caso. Porque para conseguir este resultado, o narrador tem de possuir a virtude alquímica de transformar o negativo em positivo aos olhos do público. Transformando os problemas que vitimizam a personagem em algo que a transcende, o génio dá-lhes um significado superior, rectifica a visão do sofrimento como algo de errado e encaminha esse sofrimento, através do entendimento da necessidade de existir dentro da vida humana numa viragem harmoniosa que apazigua o espectador.
Ora, uma visão assumidamente indirecta, crua e distante destes mesmos transtornos, está muito longe de proporcionar os resultados antes referidos. E neste caso o problema já se encontra na génese do filme, porque a obra literária na qual se inspirou sofre da mesma doença. Publicada em 1857, a obra pretende ser uma visão modernista e “científica” da alma humana, numa época onde ainda se acreditava na realização do sonho progressista, panaceia para todos os problemas da humanidade. De certa forma, Gustave Flaubert já previa que esse sonho era uma falsa profecia (único mérito do livro), e decidiu plasmar essa ideia na obra, infelizmente, usando os mesmo recursos “científicos” e analistas que critica. Estilo literário que vai marcar toda uma época e influenciar a literatura universal até aos dias de hoje.
Tanto o livro como o filme pretendem, pela arte da poesia narrativa, ser a cura para a doença, mas como acontece dentro da própria história, quando o médico tenta curar o coxo no final, o coxo termina amputado.
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