Os anos que já levo disto da escrita, onde se inclui a coordenação de um suplemento satírico e de crítica social, de relativo sucesso há meia-dúzia de anos, já não deveria conduzir-me à surpresa quanto a determinadas acções ou actos e comentários.
Contudo, quando menos é expectável, lá surgem as inevitáveis barbaridades e ataques à liberdade de expressão e à própria liberdade em si. Em Portugal temos atrozes exemplos disso, mas ocorridos no tempo da outra senhora e quando não existia, pelo menos para nós os lusitanos, a famosa aldeia global, como o inconfundível José Vilhena ou músicos e poetas de alto calibre que tentaram calar pela força. Mas vivíamos outros tempos, orgulhosamente sós.
Os limites, esses, alargaram-se com a Democracia e com a generalização das democracias. Em Portugal, já no tempo dito democrático, e relativamente a questões religiosas propriamente ditas, como as que envolveram tragicamente os profissionais do «Charlie Hebdo», lembro-me, assim de repente, de um cartoon em que o Papa João Paulo II surge com um preservativo no nariz, ele que condenava a utilização do mesmo, ou de um determinado escritor que resolveu publicar uma obra sobre a história e (de) vida de Jesus Cristo e acabou por ter de se auto-exilar, tal não foi o enxovalho a que o sujeitaram publicamente. Tanto num caso como noutro, a capacidade crítica e qualidade artística é notória e reconhecida internacionalmente, porém, a minha preocupação reside nesses limites que nos querem impor.
Como cidadão moderno, ou pós-moderno se quiserem, tenho por aceite e adquirido que tanto a liberdade de expressão como a de opinião fazem parte do meu quotidiano tal como a estupidez e o marketing religioso de má índole fazem parte dos quotidianos alheios. Sociologicamente, está comprovado que a religião é uma arma de arremesso de cariz comportamental, isto é, pode ser utilizada com fins malévolos, usualmente procurando atingir um objectivo social e político de média ou grande dimensão.
Neste infeliz caso de Paris toda a racionalidade caiu por terra e todos os limites, de acção e reacção, foram ultrapassados. De agora em diante, tudo o que suceda a este nível, de parte a parte, será visto pelo senso comum como uma guilhotina social e política. O único aspecto positivo que vislumbro no meio deste pântano de atrocidades será o facto de os cartoonistas, finalmente, acederem ao patamar de realmente importantes como fazedores e construtores da opinião pública.
Todavia, na minha, por vezes e/ou constante, reles opinião, reside uma dúvida preocupante: o tal mito urbano de que a minha liberdade acaba onde começa a do próximo continuará a ter a mesma validade depois do dia 07 de Janeiro de 2015?…